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Busca implacável: o desafio do setor de bares e restaurantes para montar boas equipes

O verão costuma agravar um problema que atinge empreendimentos diversos — das casas do grupo Trëma, no Rio de Janeiro, ao Donna, do chef André Mifano 

Se há uma reclamação que une praticamente todo o setor de bares e restaurantes é a que tem a ver com a dificuldade de encontrar e reter bons profissionais para o seetor, especialmente na área de atendimento ao público. “Todo empreendedor do ramo com quem eu converso está se perguntando porque é tão difícil recrutar colaboradores e por que o comprometimento de um percentual considerável é tão baixo”, diz Gustavo Gill.  

Trata-se de um dos sócios do grupo Trëma, dono de cinco restaurantes no Rio de Janeiro, o Mäska, o Rudä, o Izär, o Ït e o Brasserie Mimolette. Gill reclama da mesma coisa. “Se a nossa empresa fosse ruim para se trabalhar, eu entenderia perfeitamente a postura dos funcionários que não se engajam”, raciocina. “Mas não é o caso, e ainda oferecemos uma série de incentivos para aumentar o engajamento”.   

Ele cita, como exemplo, a implantação de um bônus mensal, de R$ 200, para todos os funcionários que chegarem no horário todos os dias, e não registrarem nenhuma falta no mês. A novidade foi instaurada há três meses. De lá para cá, só 13 dos 230 funcionários cumpriram os pré-requisitos para embolsar o extra.   

“Dada a falta de emprego na cidade, os profissionais deveriam se comprometer, no mínimo, em chegar na hora, mas a maioria chega atrasado”, Gill observa, resignado. “E trata-se de um dos setores que menos exige qualificação dos colaboradores”. Registre-se que, diariamente, o grupo Trëma recebe de 8 a 10 atestados médicos de funcionários que não apareceram.  

A empresa oferece cursos de vinhos e de inglês, concede folga no dia do aniversário de cada colaborador — se coincidir com uma data estratégica, como o Dia das Mães, é preciso combinar outro dia com o gestor direto — e admite certa flexibilidade na escala de trabalho. “Se alguém precisa levar a mãe ao médico, não vemos problema, basta nos procurar”, diz Gill. “Queremos que o ambiente de trabalho seja leve e que os funcionários não tenham medo de se abrir conosco”.  

Por total liberalidade, os sócios já atuaram como fiadores para o aluguel de imóveis de funcionários e chegaram a arcar com os custos funerários de um parente de um dos colaboradores. Quando o chef Luciano Ramos, do Ït e do Brasserie Mimolette, resolveu cursar gastronomia, a empresa se dispôs a pagar 50% das mensalidades. “Também temos funcionários altamente comprometidos e que enxergam a possibilidade de ascender conosco”, diz o sócio do Trëma. “Só que eles não correspondem, infelizmente, à maioria. Há maitres, por exemplo, que começaram como cumins”.   

A dificuldade do setor para montar boas equipes de atendimento, cogita Gill, deve-se, em parte, ao crescente frisson que cerca os chefs. “A gastronomia está super valorizada, mas o atendimento não”, constata. “Acho que as equipes dos salões sentem até um certo ciúme do pessoal da cozinha, da qual só se fala. Por que nenhuma premiação elege, por exemplo, o ‘maitre do ano’? Já seria um incentivo”.  

Nesta época do ano, os problemas do setor com a manutenção de suas equipes costumam se agravar. “A contratação e a retenção de colaboradores virou um dos maiores desafios do segmento durante o ano todo”, diz Fernando Blower, presidente do Sindrio, o Sindicato de Bares e Restaurantes do Rio de Janeiro. “Mas neste período há um complicador extra: o surgimento de muitas vagas temporárias em outros setores com remunerações mais atraentes, o que estimula uma certa debandada de bares e restaurantes”.   

O problema da alta rotatividade de funcionários em estabelecimentos do gênero, acredita Blower, é fruto de questões estruturais da sociedade e da economia brasileira. “A solução não depende apenas do setor”, sustenta. “O que os bares e os restaurantes podem fazer é melhorar a cultura interna e investir mais em propósito. Companhias que fazem isso tendem a manter seus funcionários com mais facilidade”.  

Diretora de Pessoas, Cultura e Transformação da ZAMP, Mafoane Odara disse o seguinte em sua palestra na 4ª edição do SindNews, organizada em maio pelo SindRio: “Não gosto do termo ‘retenção’ porque dá a entender que estamos impedindo os colaboradores de ir embora se assim desejarem. O mais importante é apostar na valorização dos funcionários, que são a cara de qualquer negócio”. Master-franqueada e operadora das redes Burger King e Popeyes no Brasil, a ZAMP está às voltas com mais de 16 mil funcionários. 

Exemplos de empreendedores do ramo que penam com a alta rotatividade de funcionários não faltam. À frente do Vila Anália e do Temperani Trattoria, em São Paulo, entre outros negócios, Guilherme Temperani se deu conta, há alguns anos, que estava perdendo muitos funcionários não para empreendimentos concorrentes. “Vários se desligaram para virar motoristas de aplicativo”, revela. Na virada do ano passado, o chef André Mifano, que é proprietário do Donna, em São Paulo, tinha planos de reabrir o restaurante no dia 5 de janeiro. “Por falta de funcionários, só consegui voltar a funcionar no dia 28”, informa ele.  

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