Retenção de gorjeta: aspectos legais e acordos coletivos
As gorjetas fazem parte da cultura do setor de bares e restaurantes, mas também geram desafios na gestão tributária das empresas do setor. Buscando sempre a melhoria do ambiente de negócios, o SindRio obteve, por meio de Mandado de Segurança, a isenção de tributos sobre a taxa de gorjetas para os associados adimplentes. Com essa decisão, as gorjetas não serão mais incluídas na base de cálculo do SIMPLES Nacional, o que representa um alívio financeiro para os estabelecimentos do setor.
Para usufruir deste benefício, é necessário que a empresa esteja associada ao SindRio e com as mensalidades em dia. O SindRio está preparando uma nova distribuição do Mandado de Segurança para estender o benefício, com data marcada para 21 de novembro de 2024. Até lá, será organizada uma lista atualizada de associados adimplentes.
Conceito de gorjeta:
As gorjetas, cobradas pelo empregador na nota de serviço ou oferecidas espontaneamente pelos clientes, integram a remuneração do empregado, não servindo de base de cálculo para as parcelas de aviso-prévio, adicional noturno, horas extras e repouso semanal remunerado.
Receita
A gorjeta não constitui receita própria dos empregadores, destina-se aos trabalhadores e será distribuída segundo critérios de custeio e de rateio definidos em Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho.
Previsão nas Convenções Coletivas:
Tanto a Convenção Coletiva firmada com o Sindicato dos Garçons, Barman e Maitres do Estado do Rio de Janeiro – SIGABAM quanto a firmada com Sindicato dos Trabalhadores nas Empresas de Refeições Rápidas (FAST FOOD) e Afins do Estado do Rio de Janeiro – SINDIREFEIÇÕES, tratam do tema gorjeta, a ser formalizado por meio de Acordo de Gorjeta, pactuado com a interveniência do sindicato laboral.
Formalidades:
Nos termos do artigo 611-A, inciso IX, c/c o § 2º do artigo 457, ambos da CLT, bem como previsão nas Convenções Coletivas negociadas pelo SindRio, é possível a formalização de Acordo de Gorjeta prevendo a distribuição das taxas de serviço (gorjetas) aos empregados, nos termos definidos pelo instrumento coletivo.
A inclusão da gorjeta no contracheque deve ser precedida de Acordo de Gorjeta, no qual constará a forma de distribuição do valor arrecadado aos empregados.
Para a formalização do Acordo de Gorjeta, será necessário observar certos requisitos:
- Convocar os empregados por meio de assembleia e informar a forma de cobrança de gorjeta e distribuição;
- Colher aprovação da maioria dos empregados;
- Criar minuta do Acordo Coletivo (Acordo de Gorjeta);
- Escolha de empregado ou comissão de empregados para representação dos demais no acompanhamento da arrecadação e distribuição dos valores correspondentes à taxa de serviço (gorjeta);
- Assinatura dos representantes da empresa e do responsável pelo Sindicato Laboral;
- Homologação do instrumento coletivo pelo Sindicato Laboral (Acordo de Gorjeta) junto ao órgão Mediador do Ministério da Economia (Governo Federal);
Critérios:
As empresas que cobrarem a gorjeta, deverão:
I – para as empresas inscritas em regime de tributação federal diferenciado, lançá-la na respectiva nota de consumo, facultada a retenção de até 20% da arrecadação correspondente, as empresas não inscritas em regime de tributação federal diferenciado, lançá-la na respectiva nota de consumo, facultada a retenção de até 33% da arrecadação correspondente, mediante previsão em Convenção ou Acordo Coletivo de Trabalho e as para custear os encargos sociais, previdenciários e trabalhistas derivados da sua integração à remuneração dos empregados, devendo o valor remanescente ser revertido integralmente em favor do trabalhador.
Validade da cláusula que prevê a retenção de percentuais da arrecadação da gorjeta:
Confirmação pelo Supremo Tribunal Federal, acerca da temática – Acordo de Gorjeta que previa a Retenção de Gorjeta. Previsão em Norma Coletiva. Tema 1046 do STF. Possibilidade.
O Supremo Tribunal Federal, ao exame do Tema 1046 de repercussão geral, fixou a tese de que “São constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”.
Certo que a autonomia negocial coletiva foi erigida ao patamar constitucional (artigo 7º, XXVI, da CF), depreende-se da referida decisão que a norma coletiva na qual estabelecida a exclusão ou limitação de direitos trabalhistas deve ser integralmente cumprida, exceto nas hipóteses em que, baseada na teoria da adequação setorial negociada, disponha sobre direitos absolutamente indisponíveis.
O princípio da adequação setorial negociada permite que o ajuste de uma norma autônoma se sobreponha à legislação geral, em relação a determinado grupo econômico-profissional, objetivamente o arranjo dos interesses das categorias envolvidas, considerando as especificidades laborais, desde que resguardados os direitos de indisponibilidade absoluta.
O desafio que ora se apresenta é determinar quais direitos trabalhistas estão albergados no conceito de indisponibilidade absoluta.
Segundo o relator do Tema 1.046 de repercussão geral (ARE 1.121.633), Ministro Gilmar Mendes, “Em regra, as cláusulas de convenção ou acordo coletivo não podem ferir um patamar civilizatório mínimo, composto, em linhas gerais, (i) pelas normas constitucionais, (ii) pelas normas de tratados e convenções internacionais incorporadas ao Direito Brasileiro e (iii) pelas normas que, mesmo infraconstitucionais, asseguram garantias mínimas de cidadania aos trabalhadores.”.
No caso presente, a Corte Regional considerou ser inválida a norma coletiva em que estabelecida a retenção do total de 33% incidente sobre o montante retido nas notas de serviço dos clientes (gorjetas), para a empresa com vistas “à cobertura dos encargos sociais e previdenciários incidentes sobre os valores devidos em folha de pagamento”.
Todavia, em exame de hipótese como esta, prevaleceu nesta Turma Julgadora o entendimento no sentido da validade da referida norma coletiva, visto que não se discute direito absolutamente indisponível do trabalhador.
Cito o seguinte julgado desta Turma neste sentido:
“RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI N.º 13.015/14. (…) TAXA DE SERVIÇO. GORJETAS. RETENÇÃO PARCIAL POR FORÇA DE NEGOCIAÇÃO COLETIVA. VALIDADE. DIREITO TRABALHISTA NÃO ASSEGURADO CONSTITUCIONALMENTE. APLICAÇÃO DA TESE VINCULANTE FIXADA PELO STF NO TEMA 1.046 DA REPERCUSSÃO GERAL. 1. No exame da temática atinente à validade de norma coletiva que limita ou restringe direito do trabalho não assegurado constitucionalmente, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Tema 1.046 da Repercussão Geral, fixou a tese de que “são constitucionais os acordos e as convenções coletivos que, ao considerarem a adequação setorial negociada, pactuam limitações ou afastamentos de direitos trabalhistas, independentemente da explicitação especificada de vantagens compensatórias, desde que respeitados os direitos absolutamente indisponíveis”. 2. Significa dizer que vantagens compensatórias são necessárias – pelo fato de as “concessões recíprocas” serem ontologicamente inerentes às transações (CC, 840) –, mas não é preciso que haja discriminação concernente a cada parcela singularmente trocada por um benefício determinado, aceitando-se a presunção de comutatividade. 3. Podem ser consideradas absolutamente indisponíveis as garantias mínimas asseguradas aos trabalhadores que preservem as condições de dignidade e de identidade social do empregado. O art. 611-B da CLT, com redação dada pela Lei n.º 13.467/2017, inventariou, de modo exaustivo, os direitos cuja supressão ou redução constitui objeto ilícito (CC, 104, II) de negociação coletiva. 4. A forma de divisão e repasse das gorjetas não se caracteriza como direito indisponível, sendo, portanto, válida a negociação coletiva. (…). Recurso de revista não conhecido” (RR-467-63.2012.5.05.0011, 1ª Turma, Relator Ministro Amaury Rodrigues Pinto Junior, DEJT 20/10/2023).
Conclusão:
Conclui-se pela validade da cláusula que prevê a retenção da gorjeta:
- De até 20% para as empresas enquadradas no Simples Nacional;
- De até 33% para as empresas enquadradas no Lucro Presumido.
Para tanto, as empresas deverão formalizar, junto ao Sindicato Laboral Acordo de Gorjeta, no qual constará cláusula com a possibilidade de retenção dos percentuais citados e, com a homologação do referido instrumento coletivo, as empresas estarão autorizadas a efetuarem a retenção, para custeio dos encargos sociais (férias, décimo terceiro salário e FGTS).
Texto elaborado pela equipe jurídica do SindRio.
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